sábado, 30 de junho de 2012

Envelhescentes





Florbela era uma dessas envelhescentes, com o invólucro, digamos assim, um pouco surrado; um pneuzinho aqui, uma ruguinha acolá, um bom ruge, batom vermelho-sangue, tinha que ser assim: baton vermelho-sangue nos lábios. O “corpicho”, pensava ela, podia não estar nos “trinques”, mas a alma, essa sim,  era de guria de vinte. Gostava mesmo era de saracotear nos bailões da terceira idade, lá no bailão do Dario, como era conhecido o salão de bailes do bairro onde morava, esses não perdia nunca. Nunquinha mesmo.


_Me permite esta dança?

Assim conheceu o Sinforeano, figura assídua, sempre com seu bom sapato que fazia questão de engraxar e “tirar o brilho” como gostava de dizer, calças de tergal azul-marinho e camisa branca, gola de dar inveja ao mais perfeccionista na arte da camisaria. Anel de ouro e pedra de rubi no anular direito, beirava lá pelos seus e setenta tantos, mas que jovialidade. Quando abria o sorriso e luzia aquele dentinho de ouro: era conquista na certa.

Florbela e Sinforeano. Sinforeano e Florbela saracotearam até altas horas da noite. O danado sabia onde apertar – pensava Florbela. E a cada volta no salão mais se achegava a Florbela.

_ Saudades do Zenóbio, pensava Florbela.

Não deu outra.

Sinforeano juntinho ao seu ouvido murmurou alguma coisa. O rubor subiu às maçãs do rosto de Florbela. Sim, porque senhora que se preza ainda ruboriza em pleno século XXI. Não queria ser confundida com essas “zinhas” de salão, essas que mal chegam e já saem gargalhando alto, se requebrando toda, e acompanhadas por não sei quem. Ela não, no máximo daria o número do telefone residencial .

_ Alô!. Aqui é o Sinforeano, lembra de mim?
_Sin..fo Ah! Sim! Sinforeano, claro que lembro.

E lá estavam eles em pleno centro da cidade, céu aberto, a cidade inteira caminhando ao redor deles, num incansável vai e volta, tudo nos conformes, um frente ao outro Florbela e Sinforeano, Sinforeano e Florbela, os cosmos a favor dos dois, olho no olho, falando da vida. Sinforeano ,agitado escorregava cadeira abaixo, se ajeitava , escorregava novamente.

_ Por que estás escorregando da cadeira? perguntou Florbela. Estás desconfortável? Podemos pedir para trocar?
_Não, minha florzinha de açucena. Não te preocupes é só o meu reumatismo. respondeu-lhe prontamente Sinforeano.

Bom, um reumatismo, mas quem não o tem, pensou Flor. E continuaram os dois pombinhos.

Já se haviam passado quatro horas, e os dois sentadinhos no bar da esquina.

 _Vamos pedir um refri bem geladinho? Arriscou ela, vendo que a mesa continuava vazia. Tá tão quente aqui.
 _ Não posso, minha florzinha de maracujá. respondeu o galante .
 _Ué, não podes por quê?, perguntou ela
- Ah! É só por causa da minha tireoide, respondeu Sinforeano, tranquilo da vida.
 _ Eu trouxe um chima, eu mesma preparei, quem sabe um chimarrãozito para passar a sede.?
 _Ih! Florzinha dos meus sonhos, não tomo chimarrão. É por causa da minha gastrite, disse Sinforeano, naquela mesma voz mansa.

Florbela, que a essas alturas já se cansara de ser flor- de–alguma-coisa, sentiu o perigo no ar. Queria apenas uma certeza para continuar sentada  aquela cadeira e investir no ilustre cavalheiro à sua frente. Olhou fixamente para o Sinforeano que a essas alturas já se encontrava mais embaixo da mesa, pois já tinha escorregado novamente por causa do reumatismo, quase quatro horas sem beber nada por causa da tireoide, sem chimarrão por causa da gastrite, sem mais delongas perguntou:
 - Sinforeano, o senhor tem alguma doença além desses pequenos transtornos que acaba de mencionar?
 _Sim, respondeu prontamente o Sinforeano dos bailões a vida, tenho sangue grosso.

E lá se foi Florbela com sua boca pintada, em cima dos saltos, rebolando as cadeiras. Conheceu o Pachequinho.
-Quer meu telefone, disse ela....


Pois é, houve um tempo em que essas senhoras eram somente conhecidas  como  “vovós”.  Quanto saudosismo. Foi-se a senhora encantadora de cabelos branquinhos como algodão, vestida sobriamente, exalando um perfume inolvidável de alfazema esperando-nos para entulhar-nos de guloseimas, de preferência sentadinhas numa cadeira de balanço e suas  inestimáveis  agulhas de crochê. Hoje, já não. Querem (e reivindicam) o direito de ainda sentir-se bonitas e desejadas, o direito de amar e ser amada.  E por que não?

Gladys Giménez

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sábado, 23 de junho de 2012

Entrega



                  A cidade a seus pés fazia-o refletir sobre os últimos acontecimentos de sua vida. Maravilhado com  o belo espetáculo que vislumbrava, não podeia deixar de sentr-se extasiado com tanta beleza que aquelas colinas lhe propiciavam. Um belo entardecer – pensou - passando os dedos entre os platinados de seus fios que teimavam em tornar-se visíveis pelos anos que já vivera.

                       De repente, seus olhares  se cruzaram e aqueles olhos verdes que tão bem conhecia, cintilavam qual esmeraldas e lhe queimavam o ser. Chegou devagarinho, qual anjo descido  de algum afresco medieval. Permaneceram em silêncio, sem conseguir desviar o olhar um do outro.Tempo demais - pensou Paulo, num lampejo de consciência quase inconsciente, pois para ele a paisagem e ela  nesse momento eram parte de um só cenário. Aproximaram-se mais um do outro, até sentirem o calor de seus corpos e não conseguiram fugir da mesma sensação de quando de longe se cruzavam pelas ruas da cidade.

                      O coração bateu descompassadamente, era sempre a mesma sensação. Faltava-lhes o ar cada vez que seus olhares sorrateiramente se encontravam. Ele mais que ninguém sabia que aquele encontro mergulhado no silêncio, não era um silêncio qualquer. Buscou rapidamente em suas memórias, vasculhou até o fundo de sua alma e não encontrou em nenhum momento de seus anos sentimento tão forte, tão intenso e perturbador - e essa menina não devia ter mais que vinte e poucos anos - pensou apertando suas mãos nervosamente.

                  O peito lhe doía, o coração batia forte - um momento de encantamento - pensou, mas não, ela estava ali, ao seu lado, viva, úmida à espera de um gesto. Não sabia o que fazer, não sabia como agir, diante desse anjo, diante dessa paisagem, diante desse silêncio magistral – Amava-a.

                 Num fulgor rápido, sentiu dentro de si a verdade que tentara soterrar naquelas terras de verde profundo, de colinas enfeitiçadas: estivera esperando-a toda uma eternidade, como aquelas colinas esperam o sol ao final da tarde para mansamente acostarem-se sob o manto cúmplice da noite. E no silênco murmurou: -Amo-te! - e as lágrimas foram testemunhas daquela felicidade, daquele momento em que seus lábios tocaram-se sem pressa- descobrindo-se.

                    Olharam-se mil vezes, saciaram suas esperas em beijos. Tocou-a nesse instante e mais uma vez quebrou o silêncio, e contrário a todos seus dogmas, descendo de seu pedestal de cautela, curvou-se a esse amor: - Mariana, entrego-me a ti, pois já não sei agir com a razão, já não sei o que é pecado ou não, mas, se para ti sou teu primeiro amor, forja em teu coração assim como está forjado no meu: és meu último amor.


Gladys Giménez

Imagem: Google

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sábado, 16 de junho de 2012

62ª Carta de Ivan

                                  


 Porto Alegre, 12 de junho de 1968, às 21h 

Jovem menina!

            Salve o dia dos namorados! Salve a Maria de Lourdes que tanto adoro!
            Quero ser teu namorado mesmo depois de noivos e casados. A responsabilidade de fazer-te feliz é grande, e por ti, muito farei, amor, sem prometer milagres, mas, esforço, boa vontade e dedicação. Parabéns por te manteres próxima a mim pelas cartas, que chegam sempre perfumadas e com o carinho de tuas palavras.

            Num mundo com alto grau de corrupção, como este em que vivemos, existem pessoas falando em liberalismo, independência e amor livre. Infelizmente, tais pessoas não pensam em viver com uma única mulher, para satisfazê-la, dar-lhe amor, atenção, e juntos serem felizes. Estou convicto que, assim como estamos agindo, nosso amor tende a crescer e dar bons frutos. Está sendo construído em base sólida, carta sobre carta, visando conhecimento, segurança e o sucesso de ambos. Estacionar, nem pensar, precisamos nos manter ocupados, porque, de parasitas o mundo está cheio. Cheio de gente infeliz, sem Deus, por distorcer o verdadeiro sentido da vida e não saber amar.

            Espero que compreendas minha luta e continues participando dela. Não pretendo me alienar dos problemas de nossa sociedade, mas antes, procurarei conhecer-te melhor, bem como a tudo que te faça feliz. Seria bom se eu pudesse desvendar os segredos ocultos em teu íntimo, para saber como agir em cada situação. Assim descobriria facilmente o que precisas para te realizar plenamente. O problema é que não enxergamos muito além da matéria. Temos nossas preferências, e para descobri-las é necessário paciência, diálogo e muito amor no coração.

            O cérebro comanda nossas ações. Trabalha para desenvolver e alimentar a inteligência, os pensamentos, a imaginação. Do cérebro emanam as grandes ideias. O corpo é escravo da vontade inteligente e racional. Algumas pessoas sentem-se infelizes, dizem que ninguém as entende, justamente porque estão acomodadas e não se interessam por este aspecto da felicidade. Por isso, é bom instruir-se, ler bastante sobre diversos assuntos, para desenvolver uma cultura geral e poder assumir uma posição firme, quando questionado.

            Peço-te que releves alguma palavra mal colocada, pois não sou um expert no assunto, apenas te amo, adoro e quero, de toda a minha alma. Tenho certeza que juntinhos seremos felizes. Meu desejo é que ao passares por esta Terra, ao final, possas dizer: procurei pela verdadeira felicidade, a encontrei e fui muito feliz.

            Ao mesmo tempo que escrevo, sinto um inexplicável enlevo espiritual. És poderosa! Imaginei-me dizendo, por entre os teus cabelos, coisas bonitas que gostas de ouvir; fazendo os carinhos que desejas, com amor e consideração. E meus olhos se encheram de lágrimas. Lágrimas de amor e emoção.

            Quero que um dia sejas minha esposa, mãe de nossos filhos e depois, com a graça de Deus, continuarei a te adorar, e aos nossos filhos também.

            Até amanhã, minha princesa Lourdes. Do namorado, que te abraça com respeito. Ivan.
Ivan Hoffmann
Imagem: Google
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quarta-feira, 13 de junho de 2012

O Bombom Solitário


Estavam faltando pão, algumas frutas e outras coisinhas. Era uma tarde ensolarada daquelas em que dá vontade de bater pernas e sentir o vento acariciando o rosto. O outono estava se despedindo, folhas de cores vibrantes e outras nem tanto davam aquele colorido característico desta época do ano. Véspera de Dia dos Namorados! Sofia resolveu dar um pulo no mercado, aquele que ela gostava. Tinha tudo. Pra quê caminhar mais? Estava tudo a mão, e, quem sabe, naquele dia poderia “pintar” um namorado. Há algum tempo estava à procura de um homem que preenchesse os requisitos por ela apontados como idéias. Necessariamente não precisava ser nenhum príncipe montado em seu cavalo branco nem tampouco um marajá coberto de ouro. Simplesmente um homem educado, agradável, romântico, correto, que gostasse de natureza, de dança, enfim para viver as coisas que a vida oferece. Fez suas compras, pagou no caixa e procurou um banco para sentar e arrumar a bol­as. O único banco disponível estava ocupado por um senhor. Pediu licença e sentou. Eis que o dito cavalheiro puxou conversa e lá pelas tantas a convidou para tomar um café. Por que não? Conversa vai conversa vem, ouviu entre muitos elogios e declarações, aquilo que ela buscava. Um namorado! Parecia tudo perfeito. Cada um ganhou um bombom e como ele não apreciava chocolate preto (só o branco) deu a ela o seu. Levou-a para casa, trocaram telefones, tudo perfeito. No outro dia, “Dias dos Namorados”, nada! Nenhum telefonema. À noite, Sofia em seu apartamento, saboreou o bombom solitário.


Pensamentos

O sol
 Aquece vales e montanhas
Seu amor
Aquece meu coração

 No minuano cavalgo pelos céus do Rio Grande.


Verena Backes
 Escritora poeta e ativista cultural.

Imagem: Google

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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Noite dos Namorados


Na calada da noite, ouço um chamado.
Abro os olhos e no alto vejo
Uma deusa de branco cheia de desejos
A mirar-me e acenar para mim.

Ainda meio moribundo, levanto.
Seguro firme a sua mão, e voamos.
Por entre nuvens e estrelas vamos,
Parecendo-nos um voo sem fim.

E quando o sol já se apresentava,
Acordei em minha cama faceiro
Abraçado ao meu fiel travesseiro,
Beijando a tua face carmim.

J. G. Ribeiro
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sexta-feira, 8 de junho de 2012

É proibido chorar























Os males são efêmeros.
Transitórios são os sofrimentos.
Não pense. Não sinta. Não chore.
Pranto nãoque demore.
O bem, o amor, o carinho
Batem à porta de quem quer abrir.
É tempo de amar, é tempo de cantar,
É tempo de saudade,
De carinhos, de risos e felicidade. 
É preciso cantar toda hora
Espantar os “valentesque querem
Velas e choros de nós.
Busca ao vento a ternura e a paz,
Leva para longe a aflição e a dor,
Traze para perto o afago e a luz,
Vive com alegria, paixão e amor.
Levanta bem cedo e corre pelos campos,
Respira o ar pura da fresca manhã,
Apanha uma flor, aspira o perfume,
Grita, e canta, e olha o cardume
De peixes que descem o regato.
Olha para o alto e chama os pássaros,
Desce a colina e os montes
Sobe para ver o além.
Sorri. Ama. Sorri.
Volta de braços abertos cantando,
Vive. Ama. Não chores.
Grita ao mundo, em voz ardente:
É proibido chorar.

Erony Flores

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