sábado, 29 de setembro de 2012

Zés do Brasil

O ribombar do trovão confundia-se com o grito da mulher em dores de parto. O silêncio que se seguia foi quebrado pelo choro do recém-nascido na busca insistente pelo seio da mãe, quem num fio de voz diz: “Tu vai te chamar José. José, como o pai de Jesus, e como ele, tu vai ser carpinteiro”.
Quatro anos depois, o pequeno menino franzino e desnutrido ganhou as ruas e as sinaleiras, mas o que ganhava mal chegava para alimentar sua mãe e os três irmãos. Do pai nunca soube nem o nome, e por muito tempo achou que se chamava Demo, pois quando sua mãe ficava com raiva, aos gritos dizia:”Venha seu, filho do Demo”.
 O tempo foi passando. As brigas as bebedeiras e as surras se tornaram cada vez mais frequentes. Então, certo dia, José resolveu não mais voltar para o pequeno barraco de telhas furadas, pelas quais ficava olhando as estrelas. A rua se tornou seu novo lar. As pessoas que lhe davam esmolas quando era pequeno, hoje lhe diziam: “Vá criar vergonha nesta cara e arrumar um emprego, moleque”.  
, como era conhecido agora, perambulava pelas ruas. A fome a miséria e o abandono lhe corroíam o estômago, a alma e a esperança. Passou a encontrar conforto para sua fome e abandono no pequeno pedaço de flanela embebido em solvente. Primeiro uma náusea lancinante, depois o riso em gozo de morte, e por fim o sono, durante o qual sonhava com uma bela senhora vestida de azul a lhe estender os braços, mas que não podia alcançar. 
O inverno chegara mais cedo naquele ano. se arrastou até as escadarias da igreja em busca de calor e de conforto para sua solidão, juntando-se a um grupo de meninos que ali se encontravam. A fome e o frio transpassavam seu pequeno corpo, dilacerando sua alma. A imagem de sua mãe e de seus irmãos lhe veio à mente, e ele chorou amargamente. Do alto da cripta da igreja, a imagem da Virgem parecia olhar para ele, que desejou aconchegar-se em seus braços, como o fizera algumas vezes com sua mãe. Agarrou-se a seu pedaço de flanela, mas não sentiu vontade de cheirá-lo. Seus olhos se fixaram na imagem da santa, até perder a noção do tempo. Um estrondo seguido de um clarão na forma de espada penetrou em suas entranhas fazendo seu pequeno corpo rodopiar no ar. Um filete de sangue escorreu pelo canto de sua boca, e seus olhos incrivelmente arregalados, num misto de êxtase e encanto não acreditavam no que viam. Ao seu lado, estava a senhora envolta em seu manto de luz, que o envolvia num longo abraço.

Jandira Weber
Imagem: Google
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Um comentário:

  1. Infelizmente, como bem o dissestes Mardilê é a nossa realidade, não só brasileira, mas de milhões de seres abaixo da linha da pobreza do mundo inteiro. A quem culpar? Sim, porque é o ser humano achar um culpado: ao governo? aos homens que nos deixam com a barriga na boca? ou seremos nós mulheres que acreditamos nos homens e estes nos jugam mero depósito de esperma? Ou por que não acreditamos em nós mesmas e deixamos que outrem comandem nossas vidas, nosso corpo, pois ainda não temos a consciência que levamos em nosso corpo algo chamado útero, e que por isso somos a renovação da vida, a continuação da espécie. Teria mil coisas para dizer, mas não vou me estender. É realmente belo, profundo e
    deveras triste o texto da Jandira. Parabéns!

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