No princípio, quando na
Terra a Natureza era pujante, o homem das cavernas não muito alto, mas robusto,
era essencialmente carnívoro e dedicava-se com afinco às caçadas de animais na
maioria das vezes ferozes. Divertia-se, trabalhando. Embrenhava-se na mata, na
época fechada, espinhenta e varava as noites na espreita da fera, geralmente
mais forte que ele próprio. Lanhava-se todo, sofria cortes, mordidas e arranhões,
mas dominava a presa e, ao cair da tarde, de volta para sua caverna, era
recebido carinhosamente por suas amadas. Sim, amadas, pois eram tempos de
poligamia. Carneava a caça com presteza, comia a sua parte e após banhar-se nas
águas límpidas e frescas de uma fonte cristalina, mergulhava em sono profundo
sob o olhar atento de seu harém. E esta era a sua rotina.
Na caverna, não havia
mobília e dormia ao rés do chão. As paredes eram lisas e úmidas e os restos de
comida ficavam dependurados nas árvores, em lugar seguro, para evitar que um
corvo faminto viesse saciar sua fome. Aos vinte e oito anos, entediado, corpo
coberto de cicatrizes, transferia seu único patrimônio, as concubinas, para
outro guerreiro e procurava uma pedra, no alto de uma coxilha, à sombra de um
ingazeiro e esperava a morte chegar. Não a temia, pelo contrário, festejava o
seu ocaso, pela certeza do dever cumprido.
Mesmo que na narrativa
acima eu tenha fantasiado a história, a rotina desta figura pré-histórica e de
hábitos rudimentares representa para muitos, ainda hoje, o modelo de convivência
ideal, o homem em harmonia com a Natureza. Entretanto, o homem moderno, em nada
lembra o seu ancestral. Ainda que, a própria Natureza conserve seus encantos, o
habitat do guerreiro se tornou agressivo, inseguro.
Na esteira do desenvolvimento vieram as
inovações tecnológicas. Na Terra de hoje, impera o cinza e o que era lúdico se
transformou em uma dura realidade. Para fugirmos do inferno da BR 116, viajamos
em pé num trem lotado, não climatizado e barulhento. Para quem tem trabalho,
esta é uma rotina. Para quem está desempregado, a rotina é outra: olho nos
classificados, bater pernas pela cidade ou amanhecer na porta do CINE, na
esperança de ser contratado e já sabendo que terá que pelear até a terceira
idade. Elevador pifado, esquecer a senha do banco, apagão elétrico e greve nos
serviços essenciais, são apenas atrapalhações da vida.Mães descartando recém
nascidos, motoristas bêbados atropelando pedestres, já são consequências da
neurose coletiva.Na volta ao lar, ouço que devido ao calorão ventou forte, caiu
o sinal da televisão, a Internet está fora do ar.
Caramba, como era feliz o homem das cavernas!
Anildo Martins da Silva
Imagem: clickpb.com.br