sábado, 19 de maio de 2018

Entre Davis e Golias




Desde os primeiros anos de minha infância, eu já era fascinado pela passagem bíblica que narra o enfrentamento do jovem Davi, contra o gigante Golias. E passado algum tempo, quando corria descalço pelas avenidas do bairro e, por acaso, me deparava com um episódio semelhante, costumava chamar o grandão de prevalecido e ficava torcendo pelo baixinho. Acho que este comportamento faz parte do espírito justiceiro que carregamos desde os mais tenros dias de nossas vidas. Esse sentimento de solidariedade com os “mais fracos” é influência dos valores pessoais que herdamos de nossos pais, da sociedade organizada, do que nos foi transmitido pela literatura e até mesmo pelas tradições milenares.

Aqueles eram os tempos dos famosos contos de fada, sempre culminando com a vitória do bem sobre o mal. Palavras tão fortes, que no caso do simpático Davi, ainda hoje, creio que, se fizéssemos uma pesquisa, ele teria quase cem por cento da simpatia popular, sobrando muito pouco em favor do grandalhão. Pois, afora os ensinamentos contidos nas entrelinhas do famoso texto bíblico e das tentativas dos contos de fada em condicionar nossas atitudes, na realidade costumamos assistir a vitórias para os dois lados. E quando o vencedor é o gigante, quedamos impotentes, na certeza de que nada mais seria possível fazer, além do que foi feito. Ficam apenas as famosas lições de vida que nos dão o equilíbrio para aprendermos a aceitar as derrotas e delas tirarmos algo de bom.

Estive há poucos dias no front, cerrando fileiras pró Davi e lutando desesperado contra um gigante horroroso, cruel e impiedoso: o câncer. E foi uma batalha sem tréguas. Descia a noite, raiava o dia, mas não se deslumbrava o seu fim. Lutei por um Davi de espírito suave, altruísta. Era trabalhador combativo, bom caráter, amigo comprometido. Sabia como ninguém ser generoso e fiel. Seu gigantismo era o intelecto, pouco lhe importava o bem material. Cresci seguindo os seus passos, pois nascemos da mesma Maria, mas na hora decisiva, todos ficaram para trás, filhos, esposa, irmãos. Ele avançou ladeado por seus guardiões, todos qualificados, mergulhado em silêncio, peito estufado, cabeça erguida, para o duelo derradeiro. Na retaguarda, éramos um batalhão; na frente, apenas o inimigo. Um inimigo silencioso, traiçoeiro, um fantasma que lhe invadiu as entranhas, vindo de onde ninguém sabe, mas que dele se apoderou e nele se espalhou, como um veneno mortal. Ao pelotão de defesa não faltou coragem, empenho, aviso de alerta, mas ao final da luta, apenas desespero e aflição. Nosso Davi era muito valente, mas enfrentou uma enfermidade agressiva, traiçoeira, tornando a batalha desigual.

Restou não só a tristeza e a saudade, mas também muito orgulho, que só os mais fortes conseguem despertar em nós. E os fortes, jamais serão vencidos, partem mundo afora e sabe-se lá onde irão recomeçar.

Anildo Martins da Silva
Imagem: JW.org

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