Desde
os primeiros anos de minha infância, eu já era fascinado pela passagem bíblica
que narra o enfrentamento do jovem Davi, contra o gigante Golias. E passado
algum tempo, quando corria descalço pelas avenidas do bairro e, por acaso, me
deparava com um episódio semelhante, costumava chamar o grandão de prevalecido
e ficava torcendo pelo baixinho. Acho que este comportamento faz parte do
espírito justiceiro que carregamos desde os mais tenros dias de nossas vidas. Esse
sentimento de solidariedade com os “mais fracos” é influência dos valores
pessoais que herdamos de nossos pais, da sociedade organizada, do que nos foi
transmitido pela literatura e até mesmo pelas tradições milenares.
Aqueles
eram os tempos dos famosos contos de fada, sempre culminando com a vitória do
bem sobre o mal. Palavras tão fortes, que no caso do simpático Davi, ainda
hoje, creio que, se fizéssemos uma pesquisa, ele teria quase cem por cento da
simpatia popular, sobrando muito pouco em favor do grandalhão. Pois, afora os
ensinamentos contidos nas entrelinhas do famoso texto bíblico e das tentativas
dos contos de fada em condicionar nossas atitudes, na realidade costumamos
assistir a vitórias para os dois lados. E quando o vencedor é o gigante,
quedamos impotentes, na certeza de que nada mais seria possível fazer, além do
que foi feito. Ficam apenas as famosas lições de vida que nos dão o equilíbrio
para aprendermos a aceitar as derrotas e delas tirarmos algo de bom.
Estive
há poucos dias no front, cerrando
fileiras pró Davi e lutando desesperado contra um gigante horroroso, cruel e
impiedoso: o câncer. E foi uma batalha sem tréguas. Descia a noite, raiava o
dia, mas não se deslumbrava o seu fim. Lutei por um Davi de espírito suave,
altruísta. Era trabalhador combativo, bom caráter, amigo comprometido. Sabia
como ninguém ser generoso e fiel. Seu gigantismo era o intelecto, pouco lhe
importava o bem material. Cresci seguindo os seus passos, pois nascemos da
mesma Maria, mas na hora decisiva, todos ficaram para trás, filhos, esposa,
irmãos. Ele avançou ladeado por seus guardiões, todos qualificados, mergulhado
em silêncio, peito estufado, cabeça erguida, para o duelo derradeiro. Na
retaguarda, éramos um batalhão; na frente, apenas o inimigo. Um inimigo
silencioso, traiçoeiro, um fantasma que lhe invadiu as entranhas, vindo de onde
ninguém sabe, mas que dele se apoderou e nele se espalhou, como um veneno
mortal. Ao pelotão de defesa não faltou coragem, empenho, aviso de alerta, mas
ao final da luta, apenas desespero e aflição. Nosso Davi era muito valente, mas
enfrentou uma enfermidade agressiva, traiçoeira, tornando a batalha desigual.
Restou
não só a tristeza e a saudade, mas também muito orgulho, que só os mais fortes
conseguem despertar em nós. E os fortes, jamais serão vencidos, partem mundo
afora e sabe-se lá onde irão recomeçar.
Anildo Martins da Silva
Imagem: JW.org